Home Notícias Por que Recife e Olinda comemoram seus aniversários juntas? Entenda a origem desta tradição

Por que Recife e Olinda comemoram seus aniversários juntas? Entenda a origem desta tradição

No dia 12 de março, Recife e Olinda comemoram seus aniversários juntas.

Por Evandro Lira

A esta altura, todo mundo sabe que, neste domingo (12), o Recife comemora 486 anos e Olinda, 488. Mas você sabe dizer por que os dois municípios – que estão entre os mais antigos centros urbanos do Brasil – celebram seus aniversários na mesma data? E também de onde vem a ideia de que são cidades-irmãs?

A explicação está num documento de apenas cinco páginas. Publicado em 12 de março de 1537, o Foral de Olinda é uma declaração oficial do donatário Duarte Coelho doando grande parte das terras do litoral à Câmara da cidade que, a partir de então, passou a ser responsável por gerir a sede da capitania de Pernambuco.

A carta estabelece como território de Olinda uma extensa porção de terra, incluindo o “arrecife dos navios”, uma zona portuária e pequena vila de pescadores que corresponde ao atual Bairro do Recife.

Registro histórico

 

Conforme explica o professor George Cabral, do Departamento de História da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), o Foral é o primeiro registro histórico das terras onde as atuais cidades-irmãs começaram a se formar.

E foi por esse motivo que uma comissão de historiadores convocada em 1966, pelo então prefeito do Recife, Augusto Lucena, estabeleceu a publicação do documento como o marco para definir a data de fundação da cidade – embora o município tenha sido elevado à condição de vila somente no fim do século 18.

Porém, pelo que está descrito na carta, a vila de Olinda já existia antes de sua publicação, tendo sido fundada logo após a chegada de Duarte Coelho em Pernambuco, em 9 de março de 1535.

“É um documento único no Brasil. Não existe nenhum outro foral de um donatário para uma vila conservado. Existem notícias de outros dois, um de Piratininga e um de Santos, em São Paulo, mas as referências que mencionam a existência deles não trazem cópia desses forais, que nunca foram encontrados”, afirma George Cabral.

De acordo com a prefeitura da cidade, a carta ficou sob os cuidados da Câmara de Olinda, mas se perdeu ainda no século 16. Por isso, uma cópia foi produzida em 1550.

Esta segunda versão desapareceu durante o Período Holandês (1630-1654) e foi reencontrada em 1672 no Mosteiro de São Bento, de onde foi transportada para Portugal.

Hoje, uma terceira cópia, publicada num livro de tombo histórico de 1710 e que tem como base a versão de 1550, está guardada no Arquivo Público Antonino Guimarães, no Sítio Histórico de Olinda.

Segundo os historiadores do local, o documento tem valor de original, por ter sido registrado como certidão oficial.

O que é um foral?

 

De acordo com a historiadora Aneide Santana, do Arquivo Público, o foral era um tipo de documento que concedia a alguém a posse de algum terreno.

É o caso, por exemplo, do Foral de Pernambuco, no qual o rei de Portugal designou Duarte Coelho como donatário – e, consequentemente, proprietário – das terras da Capitania, em 1535.

Na avaliação da historiadora, o que torna o Foral de Olinda diferente dos outros é o fato de Duarte Coelho transferir o direito de gestão da vila a um órgão de governo, e não a um indivíduo.

“A Câmara de Olinda passa a ser proprietária daquela extensão de terras, o que criou [no Brasil colonial] a chamada ‘coisa pública’; e isso não existia em lugar nenhum”, afirma Aneide.

 

Por conta desse pioneirismo, a carta foi considerada pela Unesco, em 2008, como um documento de “Memória do Mundo”.

A certificação reconhece o valor excepcional da peça como parte de um acervo “que deve ser protegido para benefício da humanidade”.

Para a especialista, a publicação comprova não só a existência do povoado olindense em 1537, como também que havia um projeto de urbanização para a área.

“Se você for olhar os limites da costa, Duarte Coelho já tinha noção do espaço. Ele não era um aventureiro, veio para ficar”, comenta.

O historiador Alexandre Alves Dias, que também trabalha no Arquivo Público de Olinda, lembra que a geografia da Marim dos Caetés se assemelhava ao modelo das cidades portuguesas, o que fez o donatário escolher o local para se instalar e desenvolver a vila.

“Esse momento em que Duarte Coelho vem para cá e escolhe o Alto do Sé tem a ver com a estratégia militar trazida da Europa, em que você estabelece a defesa [contra possíveis invasões] num ponto alto”, conta.

Grande Olinda

 

O território atribuído a Olinda pelo Foral vai muito além do Porto e do atual Bairro do Recife. Nos anos 1990, um projeto da prefeitura, criado na gestão de Germano Coelho, fez um levantamento para atualizar a delimitação dessas terras.

Segundo a pesquisa feita pela arquiteta Valéria Agra e publicada no livro “O Foral de Olinda de 1537 e o livro de tombos dos bens e aforamentos da Câmara de Olinda”, de 2011, o território vinculado à cidade englobaria:

  • o Porto e o Bairro do Recife;
  • a Ilha de Antônio Vaz (onde ficam os bairros de Santo Antônio e São José);
  • parte da Zona Norte do Recife;
  • a área litorânea da Zona Sul, incluindo Brasília Teimosa, Pina e Boa Viagem;
  • toda a costa de Jaboatão dos Guararapes;
  • as praias do Cabo de Santo Agostinho e de Ipojuca até o rio Sirinhaém.

 

O levantamento serviu de base para a atualização da cobrança do foro de Olinda, taxa paga por moradores de localidades dos outros municípios que deixaram de pertencer à Marim dos Caetés ao longo dos séculos.

“Você tem uma copropriedade. A Câmara é a proprietária original e, mesmo que você adquira o terreno, tem que pagar o foro, hoje, à prefeitura, que exerce o poder executivo na cidade”, explica o professor George Cabral.

Ainda de acordo com o pesquisador, a cobrança do foro foi extinta pela Constituição, mas a determinação só vale a partir da promulgação da Carta, em 1988.

As taxas criadas antes disso – como é o caso da tarifa instituída com base no Foral de Olinda – continuam tendo validade jurídica.

Tensão entre irmãs

 

Mas o que proporcionou que os dois núcleos urbanos se desenvolvessem de forma separada? Para o professor George Cabral, o primeiro fator está na geografia.

“Nas primeiras décadas de ocupação, o Recife era apenas um porto de Olinda. Havia a Cidade Alta e o Varadouro, onde se pegava o barco para ir ao Recife pelo Rio Beberibe. É um arranjo urbanístico muito comum no mundo português. A peculiaridade aqui é que, entre o porto e a Cidade Alta, há uma distância de seis quilômetros, diferentemente de Salvador, onde um está bem perto do outro”, argumenta.

Além disso, o crescimento do Recife após o Período Holandês gerou uma rivalidade entre as duas irmãs que atravessou boa parte do período colonial. E isso explica, ao menos em parte, como o Foral sobreviveu ao longo do tempo.

“Depois da expulsão dos holandeses, os senhores de engenho se empenharam em reconstruir Olinda, mas a dinâmica econômica e política de Pernambuco já havia se deslocado para o Recife, onde estava o porto e o comércio. Na prática, o Recife se torna o centro vivo, adquirindo uma Câmara própria, mas, oficialmente, a sede da vila continua em Olinda”, narra o historiador George Cabral.

No meio dessa disputa, estava o Foral de 1537.

“O rei de Portugal nunca retirou a propriedade das terras. A Câmara do Recife tentou várias vezes, mas, na minha interpretação, a monarquia deixou como prêmio de consolação por Olinda ter sido desmembrada, mantendo uma fonte de renda [com o foro]”, diz o professor.

Por outro lado, recorda Cabral, os gestores de Olinda pediram, durante muito tempo, a extinção da Câmara recifense, por não verem a necessidade de haver duas vilas tão próximas uma da outra.

“São muito curiosas essas discussões. Tem documentos com relatos de pessoas dizendo ser um absurdo ter duas Câmaras tão próximas, por dividir o trabalho das autoridades do rei; enquanto tem outros que alegam que elas precisam ser separadas porque, para ir de uma para outra, o caminho é longo. Ou seja, conforme o interesse, o discurso de perto ou de longe varia”, observa.

O episódio que marcou o ápice da tensão entre as duas cidades que surgiram como uma só foi a Guerra dos Mascates (1710-1711), um conflito armado no qual as elites de ambos os lugares disputaram a hegemonia política de Pernambuco.

A relação só começou a ser pacificada na época do Brasil Império, quando o Recife se tornou cidade e, depois, capital da província pernambucana, em 1827.

“É uma relação muito íntima. São duas irmãs que viveram ‘arengando’ o tempo todo”, resume o historiador.

Fonte: g1 PE

Posts Relacionados

Deixe um Comentário

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.

WP2Social Auto Publish Powered By : XYZScripts.com
%d blogueiros gostam disto: